A reconstituição do rosto de Jesus de Nazaré, com base nas características físicas dos homens que habitavam aquela região naquele tempo, desfaz a imagem do Cristo embranquecido, de cabelos lisos e nariz afilado. O nazareno de pele escura e traços negróides nasceu pobre e, ainda criança, precisou se refugiar no Egito, na África.
Viveu entre pessoas simples, que não possuíam o título nem os direitos de cidadão de Roma. Alguns de seus apóstolos eram pescadores. Iguais a tantos que o Recife dos rios e pontes tem nas suas comunidades pesqueiras.
Tomando como base uma das passagens mais conhecidas do Evangelho, é possível interpretar que Jesus tinha uma preocupação central com o problema da fome. A multiplicação do pão e do peixe só foi milagrosa porque, logo em seguida, foi compartilhada com os famintos.
O milagre é a multiplicação e também o compartilhamento da comida. Se, depois de multiplicado, o alimento tivesse servido para abastecer os soldados ou a riqueza de Roma, ninguém mais falaria sobre isso hoje. O feito teria perdido seu caráter extraordinário.
Antes de ser reconhecido como Cristo pela igreja, o que só aconteceu tempos depois da sua morte, Jesus de Nazaré foi um “zelota” ou “zelote”. Assim eram chamadas as pessoas que resistiam à subjugação ao domínio romano. E, portanto, eram politicamente ativas.
As pregações de Jesus de valorização à vida de todas as pessoas fizeram com que as autoridades passassem a vê-lo como líder de um movimento revolucionário. Porque, como eternizou o poeta Miró da Muribeca, “apesar dos efeitos colaterais, o amor ainda é o melhor remédio”.
O Jesus de hoje poderia ser um defensor dos direitos humanos ou uma pessoa em situação de rua, alguém de um grupo social marginalizado. Como naquela cena final do filme O Auto da Compadecida, dirigido por Guel Arraes e baseado na obra de Ariano Suassuna. Ou na música dos Racionais: “vi Jesus de calça bege e o diabo vestido de terno”.
Jesus também poderia ser um jovem preto morto pela polícia numa favela do Rio de Janeiro ou noutra comunidade periférica do Brasil. Ou um indígena com grande quantidade de mercúrio no corpo. Da mesma tribo dos que eram “sem alma” diante da igreja. Jesus também poderia ser uma mulher negra; portanto, jamais seria ministra do Supremo Tribunal Federal. Ou uma travesti, como propôs a atriz Renata Carvalho, na peça O Evangelho segundo Jesus, Rainha do Céu.
E o que o Jesus de dois mil anos atrás, aquele homem irado de tanta revolta, que protestou contra os “vendilhões do templos”, os “falsos profetas”, acharia nos dias de hoje, diante dos Malafaia, Edir Macedo, Valdemiro Santiago e R.R. Soares?
O Jesus que foi condenado à morte lenta e dolorosa seguiu o caminho de outros “indesejáveis” para o império romano. A crucificação não foi exclusividade do nazareno. Era método comum à época. Uma forma de punir os “rebeldes” ao mesmo tempo que amedrontava os descontentes.
Uma pena desproporcional é algo injusto por essência. Por isso, também é possível crer que Jesus, se vivo fosse, seria firmemente contrário à Proposta de Emenda à Constituição de nº 45/2023, de autoria do senador Rodrigo Pacheco (PSD), que quer privar de liberdade pessoas que fazem uso de maconha. Uma planta. A mesma cannabis de que eram feitas as túnicas daqueles tempos.