Produção selecionada no Edital de Apoio Emergencial da ELRD para ativistas, artistas e trabalhadores informais.
Autora: Jaqueline Ribeiro¹
Quando se inicia a aproximação da revogação da escravidão, a opressão contra culturas e hábitos do povo negro começa a se acirrar. Isso fica negritado quando em 1800 quando cria-se a polícia do bom costume, para reprimir festas com cachaças, músicas afro-brasileiras e a maconha. Em 1830 a proibição do Pito de Pango ou Fumo Negro, tem por justificativa a erva deixar o negro “sem vergonha”, sendo assim, essa erva passa a ser conhecida como o veneno africano. Em 1890 foi criado o código penal relacionado a entorpecentes o mesmo também visava à proibição da capoeira, samba, candomblé. Sendo a cultura do povo negro ainda mais perseguida e dando início ao que conhecemos hoje como racismo, genocídio do povo negro,
encarceramento em massa; logo, é um sistema cruel que está incorporado no Estado a longos séculos.
Esses fatos são para ilustrar o motivo da opressão enfrentada por nós, ainda mais enquanto pessoas negras e periféricas, sentimos de uma forma mais latente. Ao passo que lhe damos cum um momento delicado na história, no qual essa erva poderia auxiliar na questão da saúde mental, vemos mais ainda o genocídio da população negra através da “Guerra as Drogas”. Pensando em alguns dos efeitos da cannabis: reduzir a ansiedade, auxiliar no sono, aliviar dores, entre outros benefícios necessários neste contexto atual. Pois a sociedade vive um isolamento, que tende a mexer com toda questão psicológica, sem falar da crise vivenciada na saúde, na política, na sociedade como um todo. Porém, ainda é um assunto envolto por tabu fazendo findar no retardo das pesquisas na área e consequentemente o acesso à essa alternativa. Levando em consideração o ponto de partida de ser uma planta, da qual se pode extrair mais de 400 substâncias químicas, aqui o foco será o canabidiol. A primeira vez que foi utilizada como planta medicinal é atribuída aos chineses, há 200 anos atrás, os assírios há cerca de 300 anos atrás já haviam incorporado o uso da erva na sua farmacopéia conhecido como “a droga que extrai a mente”. Em alguns estados da América e em países como Holanda e Bélgica ela é utilizada para aliviar os sintomas do tratamento de câncer, AIDS, esclerose múltipla e síndrome de Tourette (movimentos involuntários do corpo).
É de certo que a cannabis tem uma história antiga, porém se tratando do CBD, óleo resultado através da extração dessa planta, ainda é algo muito recente. Desde a última década, vem sendo visto tanto como um suplemento dietético para o bem-estar quanto para o uso medicinal. Ele é um fitocanabinoide natural age para ativar um dos mais importantes sistemas de autorregulação do organismo, o sistema endocanabinoide. A pesquisa da Revista de Psiquiatria Brasileira de 2012, analisa o resultado do uso do CBD enquanto um medicamento com propriedade ansiolíticas, testes feitos em animais de laboratório, em voluntários saudáveis, e pacientes com transtorno de ansiedade. Indicam a conclusão do mesmo não possuir efeitos psicoativos e não afeta a cognição. Sendo um forte aliado ao tratamento de ansiedade, reforçando a ideia da necessidade de outros estudos, para comprovar sua eficácia em outros transtornos; como o do pânico, transtorno obsessivo – compulsivo, estresse pós-traumático. Uma outra pesquisa de 2016 da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto, buscou provar os efeitos antidepressivos e ansiolíticos em roedores após administração sistêmica, nesta pesquisa é defendida a ideia na qual o isolamento social tende a aumentar comportamentos agressivos em camundongos, logo, o efeito do CBD atenua essas questões surgidas com um isolamento social.
A cannabis proibida no país e usada como ferramenta do genocídio e do encarceramento em massa pelo estado, poderia ser um forte aliado para tratar a questão da saúde mental. O momento é de desesperança, olhamos para todos os ângulos, procuramos saídas. Contudo, são ainda mais vistas as incertezas políticas, desigualdades sociais acentuando-se. Quando pensamos na pandemia e na quarentena da qual devemos nos recolher, a dualidade entre a necessidade mínima do corpo e a da sobrevivência, a necessidade de imediato apresentada, o estresse vai nos tomando conta, vamos nos minando sem mesmo nem sentir. São crises de ansiedade, falta de esperança, isolamento remetente para alguns a solidão, o abandono de si mesmo. Se já era difícil o acesso a um profissional da saúde mental imagina nesses tempos? Mais uma vez nos esbarramos no punitivismo seletivo impedindo o acesso a novas formas de tratamentos e estratégias de bem estar, podendo inclusive salvar vidas em tempos de isolamento social.
¹ Mulher negra, pansexual, periférica, de terreiro. Graduada em Serviço Social, Educadora Social, Embaixadora do Politize Recife, Embaixadora LGBTQI+ 2019 pela TODXS, integrante do coletivo RENFA e do coletivo de mulheres negras acadêmicas. Pesquisadora e Palestrante na área de saúde mental, fundamentada na questão, raça, classe, gênero e sexualidade.